Relatos traducidos al portugués

(Traducción: Leopoldo Guimarães. Oporto, 2004)

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Recordas aquele dia? No odor do meu silêncio ias desenhando mil anónimas silhuetas até te elevares frente a mim. Os teus olhos tremulavam de solidão, de ternura, de desejo, de felicidade temida e de saudade. O ar, que até então foi meu amante, quedava perplexo ao mirar aquela imagem. Haviam passado muitos meses com os seus dias e as suas horas, com minutos cegos de nostalgia, com instantes plenos de ansiedade por ver de novo aqueles olhos, por beijar apenas essa boca e banhar-me inteira no teu suor.

 O teu corpo insinuante avançava… fui-me acercando ate me encontrar com o teu ser; nesse preciso instante, tomaste o meu rosto entre as tuas mãos com olhares fixos e anelantes alagados de coração; roçaram teus lábios os meus lábios e, pouco a pouco, a tua boca fez-se dona da minha boca até chegar a enlouquecer-me. Enervados pela paixão do momento decidimos entrar no carro e corrermos para o hotel mais próximo.

 A tarde ainda não havia caído e tão só uns quilómetros nos separavam daquele divã que, como lar improvisado, acolheria por poucas horas o nosso amor.

 ¿Querido, recordas? Depois de pegares na irrelevante chave, nos braços de um cúmplice elevador, tomámos rumo certeiro à nossa guarida; ao entrar nela abraçaste-me como nunca antes me abraçou alguém. ¡Desejava tanto ter-te assim,  junto a mim, bem próxima! – disseste -. Calei a tua boca com o mais doce e mudo dos meus beijos e deteve-se o ascensor, fundidos continuamos para lá, o até então, frio e impessoal quarto.

 Uma vez nele, os meus olhos não deixavam de contemplar-te. Parecia-me um milagre ver-te ali a um palmo do meu desejo, surgindo vivo de entre os meus sonhos. Tua boca sorriu olhando-me e roçou a minha face com os seus lábios. Selaste com provocação a minha boca e lentamente foste descendo para adornar o meu peito com o teu cheiro; logo seguiste o caminho que te traçava o meu corpo… para seguires amando-me. Num teu sossego tomaste os meus seios e fez-se de novo a vida; detiveste-te com delicado cuidado de quem faz uma paragem no caminho para amamentar um filho, com todo o carinho de quem amortalha em seu triste leito o melhor amigo. Cerrei os meus olhos e senti o calor do meu peito nos teus lábios, na tua boca inteira, na tua deliciosa boca. Subitamente tomaste-me nos teus braços para aninhar-me entre eles enquanto que a tua alheada boca prosseguia docemente navegando por sítios escondidos, detrás da sua própria vereda, com a curiosidade do peregrino que indaga o melhor caminho.

  O meu corpo e eu estávamos felizes de ter-te, de sentir-te nosso. A cada beijo teu a minha pele era mais pele e ainda... mais pele te reclamava. A cada carícia tua mais caminhos se abriam, mais aumentavam as tuas sendas e mais as minhas se cruzavam. Eras hábil na difícil dança do amor e num só instante os meus joelhos, inimigos entre si,  buscaram unânimes o mesmo Sol para deixarem assim esteira livre à tua paixão. O baile continuou fundindo-nos ao som de um ritmo harmonioso, crescente de puro amor. Amavas-me e eu amei-te; e acabaste de amar-me e voltou o amor… para continuarmos amando-nos tantas vezes quantas Deus nos permitiu.

         Mais tarde,  recobrando a lucidez perdida e imersa na absoluta calma que deixa uma tempestade de amor, quedei adormecida no tu peito repousando a minha mão no teu ventre e pensando o que seria de nós os dois.

        Que doce é o tu sabor! Recordo-te mentiroso, como sempre,  quando me dizias que o futuro era tão somente nosso e o enchias de falsas notas maviosas com sabor a ilusão. Ainda então nos embalava a suave brisa que deixa o bailar de uma deusa abraçada ao seu próprio deus.

        Como gosto das tuas mãos, amor! Ainda me parece inspirar o encanto de mim própria que quisera tantas vezes mantida a golpes de sonho, de um possível palpitar do teu coração no meu peito, um palpitar que há tão só umas horas, as minhas mãos adormeceram. Resisto a acreditar que te tenhas ido. Agora, ao sentir-te adormecido, preciso fechar os meus olhos para poder olhar os teus; Abraça-me, necessito de continuar a sentir o efémero calor da tua pele matizada a semente. Não temas.

 Vai dormindo meu amor que eu velarei o teu sonho.

(Percebe-se um silencioso beijo e, a seguir a ele, lentamente o levantar de um telefone)

-         Polícia?

-         Sou E…  Acabo de matar  o meu amante. Venham por favor!

 

       (Primer premio Relato Erótico, Radio Nacional de España, 2002

 

 

 

 

Dá-me um momento, por favor? Em seguida recebê-la-ei. Ela olhou-me e limitou-se a sorrir com irrepreensível graça feminina.

           Era um homem airoso, de estatura mediana e meia idade. O seu cabelo era encanecido e o seu nariz proeminente servia de guardião a uns olhos sem dúvida formosos que, sob um véu de tristeza, não escondiam o seu súbito interesse por Paula. A sua voz, firme e harmoniosa, como carta de apresentação única e intransmissível, transformou os nervos da candidata numa inaudita e singular tranquilidade. 

 Ao vê-lo e certificar-me de que seria ele o meu entrevistador, invadiu-me uma inaudita e singular tranquilidade. A sua voz era firme e harmoniosa; reflexo fiel de uma forte personalidade — pensei. Sem a menor dissimulação, deixou reflectir uma espécie de grata surpresa ao achar-me ali sentada na recepção e, isso, aumentou a minha autoconfiança. Sobre o seu hegemónico nariz, assentavam uns óculos horrorosos, enormes, a que assomavam uns grandes e firmes olhos tingidos de aço que, cobertos por um véu de tristeza, não escondiam os seu súbito interesse pela minha pessoa. 

            Era Verão, fazia calor. Uma música envolvia o local e transformava-o, de forma inconcebível, num agradável espaço de trabalho. Dali a pouco a porta tornou a abrir-se e deixou escapar novamente aquela voz, para desaparecer subitamente. Ela, ao ouvi-la, sorriu em silêncio recordando que a imagem fugaz daquele homem não deixava dúvidas quanto ao sexo, nem tão-pouco o seu vestir. A estúpida porta começava a pô-la nervosa. Para se tranquilizar e recuperar a calma, decidiu recapitular de memória os dados obtidos sobre o personagem que descobrira e curiosamente comprovou que não era a ansiedade o que lhe provocava interesse quanto à entrevista, sabia que era a melhor profissional para o lugar oferecido, mas sim a sua excitação por conhecer tão inesperado sujeito, por saber algo mais acerca dele. 

            O tique-taque de um relógio pendurado na parede, marcou dez minutos de espera. Paula, lentamente, levantou-se e meteu caminho por um brevíssimo passeio no corredor contíguo. Deteve-se em frente a uns óleos que pendiam da parede. Observou que na parte inferior de um deles tinham colocado uma pequenina placa com uma dedicatória: Ao Sr. Medina pela sua generosidade. TELEVA, SA. 2003. Retornou o seu olhar para a pintura. Quem será esse Medina. O quadro nem é mau. O ansiado ruído de abertura da desassossegada porta, tirou-a da sua meditação. Tinham sido os dez minutos mais compridos da sua instável vida.  Queira entrar, por favor. Decerto. 

A ideia de não ser filtrada por alguma estereotipada funcionária, e que fora ele mesmo quem mandara entrar as candidatas, pareceu-lhe uma total falta de arrogância que denotava a absoluta simplicidade do recém conhecido. A curiosidade por aproximar-se dele ia crescendo em Paula. Desculpe o atraso. O meu nome é Inácio Lera Director adjunto de TELEVA SA. dizia enquanto lhe apertava a mão e, de modo cortês, lhe oferecia assento no cadeirão.

Paula observou que o seu escritório condizia com a pulcritude que emanava da empresa; contudo, havia algo que, mesmo sem ver os demais, nunca poderiam ter os outros escritórios; era o seu odor; um odor penetrante e fresco, indubitavelmente mescla de um irrepreensível asseio e de um sublime perfume de marca. Quando aquele aroma embriagador envolveu os seus sentidos foi o olfacto que a advertiu. Cuidado contigo, rapariga. Era irrefutável, uma boa essência cativava-a sempre. Ninguém nos conhece melhor que o nosso tacto ou o nosso próprio olfacto.

Lera começou a falar enquanto ela, atenta, escutava alçada na sua cadeira; as pernas juntas, como mandam as regras, deixando vagamente entrever os joelhos por baixo da saia. As pupilas seguindo os olhos do seu interlocutor, ainda que fazendo um esforço terrível para as não baixar até à sua boca e se deterem no encontro. Devia ter cuidado com os movimentos para que a linguagem do seu corpo a não denunciasse. O lugar a que acederia era complicado, de grande responsabilidade e ela, era mulher. Uma falha, uma única falha, e deitaria a perder o emprego. O destino nunca havia favorecido Paula, que toda a sua vida vinha lutando por alcançar um emprego como o que tinha, por fim, na ponta dos dedos. Um emprego que  proporcionava estatuto, a posição e o futuro que ansiava para disfrutar com Fernando, o seu filho, a sua única família.

            Passou à execução de testes infinitos e de cada vez que os seus olhos se erguiam, surpreendia Lera percorrendo-lhe o corpo. Por um instante ela devolvia-lhe o olhar e, às vezes, sorria. Você está nervosa? Não. Você faz com que não o esteja. Quer um caramelo? Sim, muito obrigada. Tirou um caramelo do bolso do seu casaco e, depois de desembrulhá-lo, estendeu-lho atenciosamente oferecendo-lhe o conteúdo. Ao pegar no doce obséquio e alcançar com o seu olhar aqueles olhos desavergonhados, pode confirmar que não se tinha enganado ao julgá-los. Certamente seriam muito mais formosos ao tê-los próximos, embora assim, a curta distância, aquele brilho de tristeza aumentasse e se confundisse com um vislumbre prazenteiro de pessoa mundana que se retrai. Desinibida sem saber por quê, ousou deter-se por um instante na sua boca entreaberta. Não saberia com que ficar, porque se os seus olhos são bonitos, com a sua boca seria capaz de embebedar-me.

              Terminadas as provas... Muito bem, Paula, passemos, pois, à fase final. Ele olhava-a e, ante o seu olhar... as suas mãos tremiam. Só falta a prova de fogo, conhecer o Director Geral e que ele mesmo dê o seu acordo para a contratação. Trate de concentrar toda a sua atenção nas instruções que ele lhe dê e o lugar será seu.  Enquanto falava, ele observava, milímetro a milímetro, o corpo de Paula, ainda inclinada sobre o tampo da sua secretária. Apesar do bom ambiente do local, o sufoco causado pela situação, junto com o intenso calor do momento, tornava-se cada vez mais insuportável, ao ponto de fazer Paula esquecer que sob o seu elegante casaco encarnado se escondia uma exuberante camisola preta, um tanto sexy para a ocasião. Pediu licença e desfez-se do seu agasalho sem o menor pudor, deixando luzir a descoberto o seu peito bronzeado. Ele, não disse nada, mas, ao contemplá-la, o seu rosto tomou um ar de agrado.

             Tocou o telefone e Lera trocou um par de palavras com quem o escutava no outro lado do cabo. Depois de desligar, murmurou aproximando-se com intimidade. É o Chefe, o Sr. Medina. Passemos ao seu escritório, estou certo de que ficará agradavelmente surpreendido com a sua presença. Deu graças pelo elogio, fazendo um verdadeiro esforço para que não se notasse a sua esperança e a sua alegria, e dirigiu-se para a porta que Lera indicava. A meio caminho Paula apercebeu-se de que o seu casaco ainda permanecia suspenso nas costas da cadeira e sem a menor dissimulação... Um momento, por favor, Sr. Lera. Permita-me que vista o casaco antes de entrar. Certamente. Esteja à vontade.

           Cada poro da sua pele vibrava de satisfação, mas conseguiu que isso passasse despercebido. Ele fez soar a porta com os nós dos seus dedos. Dá licença? Faça o favor. Entrem. Então você é a nova candidata... À medida que avançavam na entrevista e em poucos minutos, a conversa resultou fluente, um agradável ambiente de cordialidade para os três que, teoricamente, passariam a ser a face visível da empresa. Havia só uma coisa que perturbava a jovem Paula, eram os olhares furtivos que o seu recém enamorado dirigia às suas sinuosas pernas, quando o “grande chefe” não reparava. Apesar de se dar conta, e com receio de que o Sr. Medina se precatasse disso, pôs ponto final aos olhares; assim, quando intuía que o ponto de mira de Lera enfocava novamente o seu objectivo, ela encarava-o fixamente nos olhos, e sorria, com o único sentido de intimidá-lo e fazer com que a sua delicada Diana ficasse incólume ante o apetecível dardo ocular que a visava.

            Acabada a entrevista, o Sr. Medina passou a informá-la: Menina Paula, em poucos dias chegaremos ao resultado da selecção. Desejo-lhe boa sorte. Muito bem, Sr. Medina. Obrigada pela sua atenção. Fiquei encantada por tê-los conhecido. Aguardarei as suas melhores notícias.

           Satisfeita consigo própria foi-se distanciando aprumada e lentamente. Quando, apenas tinha abandonado a sala, ouviu o Sr. Medina que a chamava. Retornou sobre os seus passos e assomando ao escritório... Sim, Sr. Medina, chamou-me? Sim, efectivamente. Menina Paula, uma última questão. Estaria disposta a demonstrar alguma outra qualidade ou habilidade, até agora reservada, com o fim de reforçar esta entrevista e, desse modo, influenciar na difícil tarefa da nossa decisão final? Sabemos da sua necessidade em conseguir este emprego, já que a sua situação pessoal de mãe solteira e portanto, chefe de família monoparental, comporta pesadas despesas e insustentáveis numa situação de desemprego como a que atravessa; além do mais, tanto o Sr. Lera como eu — interrompeu com um sorriso desonesto — somos pessoas vividas, sãs e particularmente discretas. Se a sua resposta for um sim, o lugar é seu. Pense nisso.

          Por um momento ficou paralisada. Engoliu a saliva e respondeu sem balbucio algum.

- Senhor Medina... Vá à merda!

 

                               (Mención especial en Concurso de Relato Breve de IDEAL Granada, 2003)

 

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